As áreas de comunicação precisam ter garantida a atualização tecnológica, recursos, capacitação e, particularmente, autonomia para gerar estratégias que busquem o interesse público.
Nos últimos dias, um tema tem dominado os debates públicos, especialmente após a fala do presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a primeira reunião ministerial de 2024. Trata-se das falhas na comunicação governamental, um assunto de extrema relevância que tem gerado intensas discussões e reflexões sobre a eficácia e transparência na comunicação entre o governo e a sociedade.
Essas falhas na comunicação do atual governo destacam, ainda, a importância da comunicação pública, que é fundamental para garantir a transparência, o entendimento mútuo e a confiança entre as instituições governamentais e a população. A eficiência da comunicação pública não apenas informa os cidadãos sobre as políticas e ações do governo, mas também promove a participação ativa da sociedade na tomada de decisões e no controle social das ações governamentais.
Ambos os temas, comunicação pública e comunicação governamental, são de extrema importância, porém, têm focos e abordagens diferentes. A comunicação pública abrange a interação entre o governo, as instituições públicas e a sociedade como um todo. A prática engloba não apenas a comunicação do governo em si, mas também a comunicação de outras entidades públicas, como órgãos reguladores, serviços públicos, entre outros. Sua importância reside na transparência, na prestação de contas, na participação cidadã e na disseminação de informações relevantes para a sociedade.
Por outro lado, a comunicação governamental está mais centrada na comunicação direta do governo com a mídia, os stakeholders e a população em geral. Envolve estratégias de divulgação de políticas, ações governamentais, posicionamentos e tomadas de decisão. A eficácia da comunicação governamental é crucial para construir a imagem do governo, gerenciar crises, promover iniciativas e garantir a compreensão das políticas públicas pela sociedade. Assim, ambos os temas são importantes e interligados, contribuindo para uma gestão pública mais transparente, eficiente e participativa.
Com o objetivo de ampliar o debate sobre comunicação pública, entrevistei uma das principais referências no assunto: Jorge Duarte. Ele é formado em Jornalismo e Relações Públicas, pós-doutorando em Comunicação na UnB. Atua na Embrapa e é vice-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Pública e curador do Curso Completo em Comunicação Pública, uma parceria da Aberje e ABCPública. Atuou na Secom da Presidência da República durante 9 anos, onde foi diretor de Comunicação Pública.
Nata pauta: comunicação assertiva, notícias falsas, desafios da comunicação pública, cidadania, Eleições 2024, inteligência artificial e participação social.
Adriana Santos: A comunicação pública no Brasil assegura uma comunicação assertiva para o cidadão?
Jorge Duarte: Todo o esforço vai nessa direção. O engajamento em torno do conceito de comunicação pública envolve uma busca por uma comunicação voltada para a cidadania e para as necessidades do cidadão. Isso implica, por exemplo, foco na transparência, na didática, na adaptação de conteúdo, na qualidade do diálogo, no acesso às informações de interesse público e na garantia de participação cidadã.
Contudo, existem desafios adicionais, além da capacidade de comunicação instalada nas organizações e a competência comunicativa dos atores sociais. Entre eles estão limitações educacionais, limitações no acesso a recursos tecnológicos e uma cultura que na formulação de políticas públicas busca uma visibilidade imediata e não considera o potencial do fator comunicação em suas estratégias de viabilização.
Qual o papel da comunicação pública no enfrentamento das notícias falsas, em
especial nos períodos eleitorais?
A comunicação pública é um pilar essencial da democracia, com o objetivo de informar, educar e promover a participação cidadã. A maior responsabilidade é fornecer informação verdadeira, acessível, interessante e adaptada a cada público como padrão permanente. Pela promoção de informações confiáveis e verificadas, a comunicação pública pode auxiliar na educação dos cidadãos, esclarecendo fatos, ajudando a compreender o contexto e corrigindo erros, o que é essencial para que os eleitores tomem decisões informadas.
As notícias falsas nos períodos eleitorais exigem uma abordagem coordenada e ativa das instituições públicas e da sociedade civil, e os profissionais de comunicação podem ajudar na elaboração de estratégias de comunicação consistentes.
Quais os principais desafios para os jornalistas que trabalham na comunicação pública?
Os jornalistas na comunicação pública enfrentam vários desafios, incluindo a necessidade de garantir a imparcialidade, lidar com pressões políticas e institucionais, e assegurar o interesse público, a qualidade e a objetividade das informações. Também devem considerar que não basta produzir conteúdo, mas
garantir que ele alcance um público muitas vezes disperso, distante, com pouca informação sobre temas relevantes, talvez com limitado acesso à internet e variados níveis de compreensão e atenção. Como sempre, é preciso ter estratégias para evitar ações que geram mais barulho do que resultados.
Quais os principais desafios para o fomento à Comunicação Pública em 2024, no Brasil?
Além dos desafios comuns ao dia a dia, 2024 é um ano eleitoral, o que exige atenção a uma legislação específica. Um desafio pode ser justamente conhecer bem as limitações legais para poder atuar com tranquilidade num período de muita desinformação, aumento do escrutínio público, engajamento
de atores políticos e polarização.
É preciso se adaptar a esta realidade, cada vez mais frequente e, de certo modo, cada vez mais comum até em períodos não eleitorais. Entre os desafios do dia a dia, estão lidar com notícias falsas, pressões políticas e a necessidade de garantir recursos adequados para iniciativas de comunicação.
Temos, também, que enfrentar a desconfiança nas instituições públicas – uma tarefa permanente de conquista de credibilidade. O profissional de comunicação deve ser capaz não apenas de realizar seu trabalho com competência, mas também saber explicar suas opções estratégicas, ações e impacto do que realiza. Fazer comunicação de qualidade infelizmente exige, em muitas ocasiões, um tipo de compreensão ou convencimento dos gestores. É, ainda, território de conquista nas instituições.
Quais os principais benefícios e prejuízos da inteligência artificial na comunicação pública?
Creio que a inteligência artificial ainda é incipiente na comunicação pública e está mais relacionada a ações pontuais, mas certamente merece muita atenção e avaliação do potencial. Entre os benefícios possíveis, estão a facilidade na operação de certos processos, personalização da comunicação, eficiência no na operação de grandes volumes de dados para melhorar a prestação de serviços públicos e a interação com o cidadão.
Os temas mais sensíveis envolvem questões éticas, privacidade, talvez os riscos de viés
algorítmico e a potencial diminuição da interação humana direta. Parece-me que, na área pública, se mal concebida, a substituição do contato pessoal por sistemas baseados em inteligência artificial pode ser desastrosa para o público. Os profissionais de comunicação devem ser envolvidos no processo de
decisão.
Qual é o caminho para a sustentabilidade da comunicação pública no Brasil?
É importante qualificar e apoiar os profissionais, as áreas e as estratégias de comunicação. As áreas de comunicação precisam ter garantida a atualização tecnológica, recursos, capacitação e, particularmente, autonomia para gerar estratégias que busquem o interesse público. É necessário promover a
transparência, o acesso à informação, a participação cidadã e o diálogo permanente entre o Estado e a sociedade. Isso inclui investir em acesso, informação qualificada e educação midiática para a população, apoiar e garantir a independência dos veículos de comunicação pública de influências políticas e assegurar recursos adequados para a comunicação eficaz nas estruturas de governo. Reforçando: a valorização do profissionalismo em comunicação é fundamental.
O cidadão tem clareza sobre a importância da comunicação pública para o fortalecimento da cidadania?
Creio que não, inclusive porque há temas mais urgentes no dia a dia que requerem atenção imediata. Ainda assim, lembro sempre da canção de Gilberto Gil: “o povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe”. Há uma longa trajetória a ser percorrida para que o cidadão reconheça
plenamente a importância da comunicação pública no fortalecimento da cidadania, no sucesso das políticas públicas e no suporte à democracia. Desafios como o analfabetismo funcional, uma certa complacência com a cultura de patrimonialismo no serviço público, a desinformação e o acesso
limitado de importantes segmentos da população, particularmente aqueles mais carentes, dificultam a compreensão completa do papel da comunicação pública. Portanto, aumentar a consciência sobre este tema é um dos objetivos centrais da comunicação pública, exigindo esforços contínuos de educação e
engajamento, tanto de lideranças conscientes como dos próprios profissionais de comunicação, que devem ter estratégias específicas para isso.